Exposição individual "Rios falam, Rios Cantam", de Caio Rosa
Exposição
- Nome: Exposição individual "Rios falam, Rios Cantam", de Caio Rosa
- Abertura: 28 de novembro 2025
- Visitação: até 21 de fevereiro 2026
- Galeria: Galeria Lume
Local
- Local: GALERIA LUME
- Evento Online: Não
- Endereço: R. Gumercindo Saraiva 54, Jd Europa – São Paulo, SP
Rios falam, Rios Cantam
Caio Rosa
A exposição reúne uma generosa apresentação do artista Caio Rosa, que abrange fotografia, escultura, têxteis, instrumentos musicais e som, articulando a exploração contínua do artista sobre ritmo e memória, construindo um espaço onde a materialidade dialoga com a narrativa e onde o uso da imagem se torna um modo de escuta.
A música desempenha um papel central no trabalho de Rosa, que faz a ponte entre territórios carregados de significado e o conhecimento geracional. Partindo das texturas sonoras do continente africano e suas ressonâncias nas tradições musicais brasileiras, ele investiga como o som carrega histórias de movimento, resistência e celebração. No centro desta exposição está a construção de uma nova marimba, feita em colaboração com seu pai, o etnomusicólogo Spirito Santo, dando continuidade a uma linhagem de criação musical. A marimba, um instrumento e dispositivo simbólico, aqui é uma escultura de som. Suas teclas de madeira e corpo ressonante remetem a histórias migratórias e, na exposição, é uma ferramenta para a transmissão de conhecimento entre gerações, de seu avô para ele mesmo. A marimba recém-construída nos lembra que ela é moldada por corpos em constante relação.
O som se torna um portal através do qual histórias pessoais e coletivas reaparecem em diferentes formas, além da linguagem. Um arquivo sonoro convida o público a uma sessão de audição dentro da exposição. A peça mistura várias gravações de som. Nessa mistura, algumas emergem como sons distorcidos, como ecos de histórias que se desdobram em novas interpretações coletivas. O arquivo reúne contribuições de Spirito Santo, Caio Rosa e outros músicos colaboradores, juntamente com canções de trabalho Vissungo das minas de Diamantina, em Minas Gerais, que datam de 1944. Esses cruzamentos de tempo revelam como a prática de Rosa segue uma história de sons que recusa a cronologia linear. Todos convergem, lembrando-nos que o som está sempre em movimento, é multifacetado e sempre retorna.
Este trabalho sonoro ressoa com a proposta da estudiosa Tina Campt de “ouvir imagens”1 como uma tentativa de decifrar as frequências silenciosas e fugazes através das quais a vida negra é registrada além do visível. Para Campt, ouvir é um método propício para se envolver com as dimensões táteis e afetivas das imagens. O trabalho de Rosa incentiva de forma semelhante um modo de atenção sensorial que existe além do ver para ver, pedindo ao espectador que se sintonize com as ressonâncias dentro dos materiais que estruturam a fotografia. Sua prática se estende além dos legados fotográficos tradicionais. Esses materiais – emulsão, tecido de algodão, água, papel, entre outros – também contam sua própria história quando justapostos aos arquivos presentes em suas obras.
Nesse eco, a exposição apresenta fotografias novas e existentes que assumem diversas formas e entrelaçam arquivos familiares – seus pais no carnaval, seu avô em uniforme militar, um Caixeta (mestre da Congada) com a primeira marimba de seu pai. Todas essas imagens desempenham um papel como veículos de narrativa para contar uma história mais ampla, proporcionando papéis distintos, mas inter-relacionados: ritual, protesto, festividade e pedagogia. Essas fotografias traçam o tempo e, mais importante, transformam narrativas pessoais em testemunhos coletivos. Em obras como Couro na chuva nunca desafina (1983/2025) e Boi de Machado (2025), as imprecisões da memória aparecem por meio de serendipidade fotográfica e deslizes de movimento. São representações visuais de como a lembrança se comporta de maneira fluida, parcial, longe de uma tecnicidade precisa.
Outras obras fotográficas documentam os processos de construção da comunidade. Essas imagens são uma documentação das festas da Congada e das escolas de samba no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, de onde o artista é natural, fundindo momentos dispersos em um arquivo vivo. Estendendo-se além da impressão, há uma peça têxtil em homenagem ao seu avô, Memórias Póstumas de São João da Chapada (2025). Este trabalho lembra as bandeiras carregadas nas procissões da Congada, ativando sua homenagem por meio do tecido, fios costurados na imagem e flores Sempre-Vivas. Estas últimas também estão na série de foto-performance Sempre-Viva – Love Letter (2023). Estas flores vivem para sempre, sempre vivas apesar de sua decadência – elas têm um significado afetivo ligado ao seu avô em Minas Gerais, como encontrado na casa da família. Sua cor e forma duradouras incorporam uma permanência silenciosa, onde a memória permanece mesmo quando muda de forma. Aqui, novamente, o material tem ressonância.
A prática de Rosa abraça uma conversa simbólica com os rios – um processo de estar na água, seguir seu fluxo e permitir que ele intervenha na criação da imagem. Esse pensamento se afasta dos processos fotográficos tradicionais, convidando a própria natureza a compor e narrar. O rio se torna um contador de histórias, uma metáfora para coleções históricas entre comunidades e uma testemunha do movimento contínuo de corpos, culturas e histórias.
As novas esculturas em aço de Rosa, Maps of affect – Singing to Time (2024-2025), prolongam esse diálogo, permitindo que a oxidação, o peso e a temperatura se juntem às superfícies em evolução das obras. Essa experimentação continua na série de impressões fotográficas Van Dyke “Couro na chuva nunca desafina” (2025), onde o papel orgânico e a imagem centralizam os materiais por trás da história. Ferrugem, marcas de água, luz e manchas químicas amplificam sua tactilidade, tornando visível a memória de cada componente.
Em todas as obras de Rosa há um fio condutor: o envolvimento com materiais e elementos naturais em seus processos, onde a imagem depende de uma relação com a materialidade. Chuva, sol e luz colaboram com reações químicas para formar as texturas de suas obras fotográficas e esculturais, onde a matéria se torna uma forma viva e ativa em sua criação. Mais uma vez, aço, cobre, papel orgânico e emulsão fotográfica se transformam nas superfícies das obras, ao registrarem o eco da transmissão cultural da continuidade ancestral. Elas nos convidam a ouvir não apenas o que uma imagem mostra, mas o que sua forma material carrega silenciosamente. A memória das tradições se move e se inscreve em novos processos da vida contemporânea, assim como a água, como o ritmo, como as flores que se recusam a murchar com o tempo.
Cindy Sissokho
*Campt, T. 2017, Listening to Images, Duke University Press.
Serviço
GALERIA LUME
R. Gumercindo Saraiva 54, Jd Europa
São Paulo, SP, Brasil
Segunda à Sexta 10h-19h
Sábado 11h-15h
+55 11 4883 0351
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