

Exposição coletiva "O Poder de Minhas Mãos"
Exposição
- Nome: Exposição coletiva "O Poder de Minhas Mãos"
- Abertura: 23 de agosto 2025
- Visitação: até 18 de janeiro 2026
Local
- Local: Sesc Pompeia
- Evento Online: Não
- Endereço: Rua Clélia, 93. Água Branca
EXPOSIÇÃO O PODER DE MINHAS MÃOS APRESENTA A PRODUÇÃO ARTÍSTICA DE 25 MULHERES DO BRASIL, DA FRANÇA, DE PAÍSES DA ÁFRICA E DA DIÁSPORA AFRICANA NO SESC POMPEIA
Inédita no Brasil, a exposição tem curadoria de Odile Burluraux, Suzana Sousa e Aline Albuquerque e celebra os poderes e fazeres de mulheres negras ou racializadas no campo artístico;
Atividade é um dos destaques do Sesc São Paulo na Temporada França-Brasil 2025.
A partir de 23 de agosto o Sesc Pompeia abre ao público a exposição O Poder de Minhas Mãos, uma coletiva que reúne obras de 25 mulheres artistas do Brasil, da França, de países do continente africano e da diáspora africana. A exposição, que ficará aberta para visitação até 18 de janeiro de 2026, integra a programação da Temporada França-Brasil 2025, iniciativa bilateral que celebra o intercâmbio cultural, o diálogo social e a cooperação entre os dois países.
Com curadoria de Odile Burluraux, do Museu de Arte Moderna de Paris, Suzana Sousa, curadora independente angolana, e de Aline Albuquerque, artista visual e curadora com atuação em Fortaleza (CE), a exposição propõe um mergulho sensível em obras que se debruçam sobre os percursos singulares de mulheres artistas e suas práticas de autorrepresentação, resistência, memória e invenção de mundos.
A exposição foi originalmente concebida e apresentada no Musée d'Art Moderne de Paris, dentro da Temporada África 2020. Para a versão brasileira, o Sesc convidou a curadora Aline Albuquerque, que integrou artistas residentes no Brasil, na Europa e no continente africano.
"No Sesc, a exposição é atualizada com a presença de Aline Albuquerque, reforçando a curadoria e a participação de artistas brasileiras cujos trabalhos dialogam com o continente africano e sua diáspora. Assim, por meio de percursos singulares, intenta-se demonstrar proposições e experiências em comum. A exibição compreende um panorama de produções que se utilizam das visualidades para evidenciar, desde o cotidiano, narrativas sobre ser mulher na atualidade, afirmando, dessa maneira, o valor histórico e político de suas vivências, por vezes, invisibilizadas", defende Luiz Galina, diretor do Sesc São Paulo.
Dividida em quatro eixos curatoriais – Estórias Pessoais, Histórias e Ficções, O Pessoal é Político e Performances –, a mostra apresenta ao público um panorama potente da arte contemporânea produzida por mulheres racializadas que vivem e criam a partir de diferentes territórios e contextos socioculturais, reunindo obras que abordam temas como ancestralidade, identidade, espiritualidade, corpo, afeto, relações de poder, trabalho e dinâmicas de exclusão e pertencimento.
Em meio a disputas simbólicas e à urgência de novos olhares sobre o mundo, ao apresentar práticas artísticas de mulheres do Sul global, a exposição O Poder de Minhas Mãos convida o público a imaginar futuros possíveis vivenciando o papel da arte como território de escuta e transformação.
"Ao conjugar beleza e denúncia, ancestralidade e invenção, a produção artística negra tensiona as fronteiras entre arte e vida, política e poética. É nesse gesto de ruptura – e de criação constante – que ela contribui efetivamente para a luta antirracista: abrindo espaços de reconhecimento, pertencimento e possibilidade onde antes havia apenas apagamento. Ela não ilustra a resistência – ela é, por si, resistência em forma sensível", defende a escritora e filósofa Djamila Ribeiro, que assina um dos textos de apresentação da mostra.
O Poder de Minhas Mãos reúne trabalhos de Aléxia Ferreira, Aline Motta, Ana Pi, Ana Silva, Buhlebezwe Siwani, Castiel Vitorino Brasileiro, Dhiovana Barroso, Eliana Amorim, Fabiana Ex-Souza, Gabrielle Goliath, Gê Viana, Grace Ndiritu, Kapwani Kiwanga, Jasi Pereira, Lebohang Kganye, Lerato Shadi, Lidia Lisbôa, Lucimélia Romão, Pedra Silva, Reinata Sadimba, Senzeni Marasela, soupixo, Stacey Gillian Abe, Terroristas del Amor e Wura-Natasha Ogunji.
Sobre a Temporada França-Brasil 2025
Fruto de acordo entre os presidentes Emmanuel Macron e Luís Inácio Lula da Silva, a Temporada França-Brasil 2025 terá como eixos temáticos o clima e a transição ecológica, a diversidade e o diálogo com a África e a democracia e o desenvolvimento sustentável. A programação contempla artes visuais, música, literatura, cinema, patrimônio, teatro, dança, ciências e economia criativa com foco na juventude, nos direitos humanos e nas trocas profissionais. Iniciada em abril, quando a França passou a sediar eventos e ações de projeção da cultura brasileira, a Temporada França-Brasil se estenderá de agosto a dezembro, em parceria com organizações da sociedade civil e de agentes culturais de ambas as nações. O Sesc São Paulo integra a Temporada com mais de 20 ações em parceria.
Biografias das artistas
Alexia Ferreira
Vive e trabalha em Fortaleza (Ceará, Brasil)
A memória constitui o fio condutor da pesquisa de Alexia Ferreira e a leva a prestar especial atenção à sua experiência, tomando sua vida cotidiana como ponto de partida para a criação das obras. O bem-viver que atravessa suas colagens se alimenta de situações bastante reais de convívio, muitas vezes propostas pela própria artista: sessões coletivas de trança, oficinas de colagem manual, partidas de videogames ou de carimba (queimada). Em Sagrada, as presenças femininas evocam o cuidado e a abundância. As casas, tema recorrente em sua obra, traduzem uma ideia de segurança e acolhimento, muitas vezes precária — ou mesmo ausente — na infância de crianças negras de comunidades marginalizadas no Brasil.
Aline Motta
Vive e trabalha em São Paulo (Brasil)
Através da fotografia, do vídeo, da performance, do texto e de arquivos, Aline Motta cria obras em que a experiência íntima se entrelaça com a história. Em Se o mar tivesse varandas, a artista investiga a reapropriação de memórias apagadas. A água, elemento recorrente no vídeo, assume o papel de mediadora da memória, da conexão e da cura. A artista imerge retratos fotográficos de sua mãe, avó e bisavó em paisagens marítimas do Brasil, da África Ocidental e da Europa. Impressas em tecido e imersas em água, essas imagens simbolizam sua tentativa de reconectar os fragmentos de uma genealogia rompida pela história colonial. O mar, frequentemente entendido como fronteira ou abismo, transforma-se, aqui, em espaço de passagem — um território simbólico a partir do qual é possível contemplar o passado e imaginar novos futuros. Por meio dessa narrativa visual, Aline Motta dá corpo e voz aos afrodescendentes da diáspora africana, que foram obrigados a atravessar o mar e a viver — e morrer — longe de sua terra natal. Sua obra revela e revisa os silêncios presentes na história familiar e coletiva, ao mesmo tempo que propõe uma reflexão sobre a construção da identidade em contextos pós-escravidão e pós-coloniais.
Ana Pi
Vive e trabalha em Paris (França)
A pesquisa de Ana Pi tem como eixos centrais a circulação, o gesto e a memória. A artista cria uma linguagem própria, capaz de articular o íntimo e o coletivo, revelando o artístico e o sagrado na vida cotidiana. Segundo ela, somos nós que inventamos as coreografias que acompanham a vida política: cada transformação histórica — colonização, descolonização, migração — dá origem a novos gestos, que passam a inscrever no corpo tanto a experiência individual quanto a história coletiva. Tal tema é abordado em seu filme NoirBLUE — Les déplacements d'une danse [PretoAZUL — Os deslocamentos de uma dança]: ao restabelecer um vínculo com suas raízes ancestrais no continente africano, Ana Pi empreende uma viagem espaçotemporal ao longo do rio Níger, mesclando gestos tradicionais e dança contemporânea para compor uma coreografia de cura, acompanhada pela narração da própria artista. Ana Pi observa que "a dança negra é a única à qual se atribui uma cor". Com essa afirmação, evidencia o racismo estrutural implícito nessa forma de categorização. Sua resposta consiste em propor uma "dança azul", abrindo, assim, um espaço poético e político onde novas formas de percepção e de narrativa possam se manifestar.
Ana Silva
Vive e trabalha entre Lisboa (Portugal) e Luanda (Angola)
Por meio de uma abordagem artística profundamente pessoal, marcada pela utilização de tecidos e fios coloridos, Ana Silva explora os conceitos de herança, memória e transmissão entre as gerações de mulheres. Sua obra está enraizada na história de Angola — um país marcado por uma longa guerra civil — e busca reconstruir narrativas ao mesmo tempo pessoais e coletivas. Na série Guardiãs, as mulheres representadas pela artista aparecem como encarnações da natureza — símbolo de fertilidade, renovação e resiliência. Elementos como a água, as raízes, a vegetação, os animais ou a figura da criança tecem uma ligação entre a feminilidade e a mãe terra. Ana Silva celebra, assim, a dualidade da força e da vulnerabilidade femininas. A mulher é mostrada como um pilar fundamental da humanidade: guardiã da memória, portadora de sabedoria, motor de transmissão e transformação, de geração em geração. A obra foi criada pela artista para esta exposição.
Buhlebezwe Siwani
Vive e trabalha entre Cidade do Cabo (África do Sul) e Amsterdã (Países Baixos)
Buhlebezwe Siwani investiga temas como religião, espiritualidade e feminilidade por meio de uma prática artística multimídia que combina fotografia, escultura, instalação, vídeo e performance. Sua abordagem estética e conceitual única está profundamente ligada a sua atuação como sangoma (curandeira tradicional), o que lhe permite examinar e questionar, de forma crítica, as estruturas do mundo ao seu redor. Em Umntuntu (2018), Siwani apresenta a mitologia de determinados clãs Xhosa — povo originário do sul do continente africano, tradicionalmente estabelecido na província do Cabo Oriental — cujos membros acreditam ter nascido de corpos-d'água naturais. No vídeo, algumas figuras usam vestimentas tradicionais xhosa, enquanto outras portam trajes cristãos. A artista evidencia como o cristianismo, introduzido pelo colonialismo, operou, por um lado, como uma maneira de os povos misturá-lo às suas práticas ancestrais, contribuindo assim para uma reapropriação de sua identidade e da espiritualidade que lhes havia sido imposta. Artista de atuação politicamente engajada, Siwani é também uma das fundadoras do coletivo iQhiya, criado em 2015, que tem como objetivo denunciar a sub-representação de artistas negros e a falta de oportunidades artísticas no circuito cultural sul-africano.
Castiel Vitorino Brasileiro
Vive e trabalha no planeta Terra
A obra de Castiel Vitorino Brasileiro explora noções de cura, bem como de reterritorialização do corpo e dos espaços que ele ocupa ou atravessa. A série A Linguagem dos Anjos é fruto de uma longa jornada pelo deserto marroquino, a partir da qual a artista criou um novo alfabeto arcano, representado por um conjunto de 74 pinturas. Cada elemento desses trabalhos parece narrar crônicas e eventos históricos, levantar questões filosóficas, e dar forma a noções abstratas de inteligência — transformando tudo isso em ritmo, cor e forma. Para a artista, a escolha da abstração constitui um gesto profundamente político. Ao afastar-se conscientemente da representação figurativa e dos códigos de empoderamento frequentemente impostos a artistas afro-brasileiros, ela afirma uma liberdade que é, simultaneamente, estética e política. Essa recusa a imposições narrativas ou que partem da identidade opera como forma de resistência a representações estereotipadas. Enquanto mulher afro-bantu e macumbeira, Castiel Vitorino Brasileiro pratica a macumba — uma constelação de rituais vinculados às tradições espirituais afro-brasileiras. As mulheres que conduzem essas práticas exercem um papel social que ultrapassa o campo religioso: cultivam uma energia viva que reúne saberes de diversos povos, resistem a sistemas opressores e criam espaços de acolhimento para corpos marginalizados — espaços onde a cultura negra matriarcal é reconhecida, valorizada e celebrada.
Dhiovana Barroso
Vive e trabalha em Fortaleza (Ceará, Brasil)
Dhiovana Barroso explora várias técnicas, como o muralismo, o desenho, a pintura e as instalações. Sua obra, em grande parte autobiográfica, aborda temas relacionados ao corpo, à ancestralidade e à diáspora negra. A coletividade e a partilha de conhecimentos ocupam um lugar central em sua prática artística, que celebra a oralidade e a transmissão de histórias. Seu objetivo é criar, através da arte, uma nova narrativa que será inscrita em memórias futuras. "Nossos passos vêm de longe" constitui o fio condutor de Kalunga-pequena. Esses passos, modelados em cerâmica fria (não cozida), evocam tanto a aparente fragilidade como o caráter efêmero da memória. Se fossem devolvidos ao mar, eles se dissolveriam, recuperando, assim, a maleabilidade original do barro, e a narrativa não poderia mais ser transmitida. Dispostos sobre búzios, uma espécie de receptáculo, e sobre madeira, eles estão protegidos, afirmando sua permanência numa comunhão com a natureza e uma memória transmitida de geração em geração.
Eliana Amorim
Vive e trabalha entre Juazeiro do Norte e Crato (Ceará, Brasil)
Em suas produções artísticas e em sua pesquisa, Eliana Amorim explora as intersecções entre arte, magia e saberes tradicionais de cuidado e cura transmitidos por mulheres curandeiras rurais. Esses saberes podem ser acessados por meio da escuta atenta e do encontro de memórias, em ressonância com as questões de gênero e raça no Brasil. Nessa série de pinturas, a conexão profunda com a terra é essencial. A artista usa plantas, frutas e ervas — como jurema-preta, barbatimão, aroeira, quixaba, ameixa, caju, hibisco-roxo — para extrair os corantes naturais que impregnam suas obras com as tintas da região da Chapada do Araripe. Sua abordagem, ao mesmo tempo espiritual e cultural, suscita uma reflexão sobre a interdependência do humano e da natureza, constituindo um gesto de resistência e uma revalorização das práticas ancestrais.
Fabiana Ex-Souza
Vive e trabalha em Paris (França)
A prática artística transdisciplinar de Fabiana Ex-Souza articula performance e trabalhos realizados com materiais de origem natural. Sua produção explora temas como o cuidado, a memória e a resistência, enraizada em suas origens e herança cultural. De família mestiça, a artista investiga os cruzamentos culturais, espirituais e históricos que configuram a identidade afro-brasileira. Sua obra evoca uma visão mística do Brasil, materializada na criação de patuás — amuletos tradicionalmente utilizados como proteção contra doenças, perigos ou para estimular a fertilidade. Confeccionados com peles de animais, ossos, plantas e outros materiais naturais, esses objetos de proteção são usados no pescoço ou colocados em ambientes domésticos. A artista também propõe uma reflexão crítica sobre como determinados elementos naturais, como o tabaco, originalmente usado para fins medicinais, foram transformados em substâncias nocivas por sistemas de dominação colonial. A partir dessas contradições, a artista constrói novas narrativas, entrelaçando símbolos de cura com vestígios do colonialismo. A obra apresentada nesta exposição, Talismãs da terra que levo comigo, foi criada especialmente para a ocasião e propõe um novo ritual de proteção e de preservação da memória.
Gabrielle Goliath
Vive e trabalha em Joanesburgo (África do Sul)
Através de uma prática artística multidisciplinar, Gabrielle Goliath expõe os traumas não resolvidos do colonialismo e do Apartheid, onipresentes na África do Sul. Sua pesquisa interseccional e anticolonial estuda e denuncia as violências contra as mulheres presentes na sociedade patriarcal sul-africana. Chocada com a trágica perda de uma amiga de infância após um episódio de violência doméstica, e depois de saber que, estatisticamente, na África, do Sul, a cada seis horas uma mulher morre em decorrência de agressões do marido, ela cria a obra Roulette [Roleta], de 2012. Concebida como uma instalação participativa, a obra convida o visitante a ficar em cima de um capacho para pegar o par de fones suspensos e ouvir um silêncio ameaçador, prestes a ser quebrado pelo som de uma arma de fogo. No intervalo cruel imposto pelas estatísticas, a detonação soa a cada seis horas, confrontando o visitante com a regularidade desses acontecimentos terríveis. Em 2020, Gabrielle Goliath atualiza sua obra de acordo com os dados mais recentes: agora, uma mulher é assassinada a cada três horas na África do Sul, portanto a obra passou a marcar o ritmo da exposição nessa cadência alarmante.
Gê Viana
Vive e trabalha em São Luís (Maranhão, Brasil)
Artista visual, pesquisadora e performer, Gê Viana é de origem indígena, do povo Anapuru Muypurá. Sua produção, intimamente ligada à cultura plural do Maranhão, baseia-se em acontecimentos familiares e comunitários para desenvolver obras e ações que contestem a cultura colonizadora hegemônica, abordando questões relacionadas a ancestralidade, normas de gênero e liturgias afro-maranhenses. A série Paridade, da qual um trecho é apresentado na exposição, põe em cena mulheres contemporâneas cujas identidades são reelaboradas pela adição de imagens de outras identidades negras e indígenas, históricas. Se o gesto de colagem é tecnicamente simples, os significados produzidos são múltiplos e complexos, levantando questões relacionadas às invisibilidades históricas, ao pertencimento, à diversidade e à colonialidade. A centralidade e a magnitude das figuras na composição afirmam o lugar central das mulheres, em particular das pequenas agricultoras, há muito mantidas na sombra da história.
Grace Ndiritu
Vive e trabalha em Londres (Inglaterra)
Grace Ndiritu é uma artista multidisciplinar nascida na Inglaterra e criada no Quênia. Sua prática artística combina pintura, fotografia, performance, vídeo, filme e escrita, e é inspirada na vida comunitária e em crenças esotéricas. Em 2012, ela deixa o espaço urbano para se juntar às comunidades rurais e espirituais. Imediatamente, seu trabalho de pesquisa e suas práticas xamânicas a levam a conceber Healing the Museum [Curar o museu], uma série de performances em que questiona a "sacralidade" dos espaços dos museus. Black Beauty: For a Shamanic Cinema [Beleza negra: Por um cinema xamânico] amplia sua pesquisa. Nesse vídeo, Alexandra Cartier, uma modelo africana, encontra o famoso escritor modernista argentino Jorge Luis Borges numa alucinação visionária. Os dois protagonistas expõem, então, aos espectadores uma reflexão anacrônica sobre as crises ecológicas e pandêmicas do nosso tempo. Essa proposta de cinema ampliado convida o público a experimentar estados não racionais através da criação artística, a fim de mudar sua perspectiva sobre temas como o meio ambiente, a imigração ou os direitos dos povos indígenas. Para Grace Ndiritu, o xamanismo permite reativar espaços culturais em crise — museus, cinemas —, transformando-os em lugares de compartilhamento, ética e participação.
Jasi Pereira
Vive e trabalha em Salvador (Bahia, Brasil)
A prática multidisciplinar de Jasi Pereira oscila entre performance, escultura, cerâmica, desenho, pintura e gravura. Ela articula as experiências coletivas dos quilombos urbanos com formas esculturais contemporâneas, em diálogo com os fundamentos do pensamento vernacular. A relação com o que é vivo está no centro de suas obras mais recentes. Reunião de Comunidade carrega, em sua materialidade, a força do gesto artístico: ao modelar a argila, a artista funde pensamento, gesto e forma. A coletividade representada num círculo revive as práticas tradicionais das assembleias comunitárias, onde diversas vozes se reúnem para compartilhar experiências e tomar decisões coletivas. Desde a parte inferior da obra, raízes ligam os círculos à terra: "A terra dá, a terra quer", diria Nêgo Bispo.
Kapwani Kiwanga
Vive e trabalha em Paris (França)
Após estudar antropologia e religiões comparadas, Kapwani Kiwanga prosseguiu os estudos na Escola Nacional Superior de Belas-Artes de Paris e depois no Fresnoy — Estúdio Nacional de Artes Contemporâneas. A partir dessa dupla formação, a artista franco-canadense de origem tanzaniana baseia sua prática artística no questionamento de narrativas históricas aceitas e ensinadas. Utilizando diversas linguagens — como a escultura, a instalação, a fotografia, o vídeo e a performance —, ela desenvolve um vocabulário estético que descreve como "estratégias de saída" para repensar a realidade contemporânea e, ao mesmo tempo, vislumbrar o futuro de forma diferente. Em Praxes of a Dialectical Dialect [Práxis de um Dialeto Dialético], ela encena um duelo silencioso entre duas mulheres que vestem, numa sobreposição, diferentes cangas africanas, usadas sobretudo na cultura popular da África Oriental. Nesses tecidos estão impressas frases que, na maioria das vezes, assumem a forma de provérbios e simbolizam o estado de espírito de quem os usa. Esse vídeo apresenta uma visão geral de uma forma sutil de comunicação e de tomada silenciosa de poder, tanto na esfera privada como no espaço público.
Lebohang Kganye
Vive e trabalha em Joanesburgo (África do Sul)
A jovem artista primeiro se apaixona pela fotografia, estudando no Market Photo Workshop entre 2009 e 2011, antes de se formar na graduação na Universidade de Joanesburgo. Em 2012, marcada pela morte da mãe, ela deseja regressar aos lugares importantes de sua infância. Durante essa viagem, redescobre roupas e fotografias em que vai se inspirar para homenagear a mãe em sua série de 55 fotografias intitulada Ke Lefa Laka (Her-Story) [Ke Lefa Laka — História dela]. Por meio da edição digital, ela impõe sua presença nas fotos de sua família e aparece ao lado da mãe, vestida de forma idêntica a ela, com os mesmos gestos, como um fantasma. No vídeo Pied Piper's Voyage [A viagem do flautista de Hamelin], vestida com um terno, ela escolhe interpretar o personagem de seu avô, figura patriarcal por excelência, que ela nunca conheceu. Através dessa narração ficcional inspirada em O Flautista de Hamelin, ela busca retraçar a história de sua família durante o período do Apartheid, ao mesmo tempo que questiona as relações de poder entre os gêneros.
Lerato Shadi
Vive e trabalha em Berlim (Alemanha)
Em sua prática multidisciplinar — vídeo, performance, instalação —, a artista sul-africana questiona a história ocidental, ao mesmo tempo que denuncia os processos políticos de apagamento cultural e os mecanismos de exclusão. Por meio de uma abordagem feminista pós-colonial, inspirada em suas próprias experiências físicas, ela integra o corpo marginalizado como figura principal da experiência narrada para propor uma nova narrativa histórica mais inclusiva. Em Sugar and Salt [Açúcar e sal], ela se coloca em cena com a mãe em uma situação tão humorística quanto íntima: entre risadas divertidas e ações envergonhadas, elas lambem o açúcar e o sal de suas respectivas línguas. Por meio dessa nova forma de interação, Lerato Shadi reescreve a complexidade dos laços intergeracionais.
Lidia Lisbôa
Vive e trabalha em São Paulo (Brasil)
A relação com o corpo constitui o eixo central da prática artística de Lidia Lisbôa, evidenciado na sua escolha de materiais, temas e criações. A própria artista descreve suas obras como uma extensão natural e tátil de seu corpo: "São meus filhos, meus seios, meu útero, meus embriões, minhas cicatrizes ou meu cordão umbilical". A série Tetas que Deram de Mamar ao Mundo é inspirada em sua experiência pessoal. Ao não conseguir amamentar a filha recém-nascida, Lisbôa contou com o apoio de outras mulheres que assumiram a amamentação. O papel dessas mulheres e de seus seios que, num gesto coletivo, permitiram que a artista alimentasse a filha, inspirou-a a refletir sobre a figura feminina e essa parte de seus corpos, que condensa narrativas de intimidade, de matriarcado e da história da humanidade. A relação de Lisbôa com o tecido remonta à sua mãe, que costurava roupas para casamentos e ocasiões especiais. A artista relembra a experiência sensorial desses trajes especiais em sua infância — memórias que consolidaram o uso da linha, retalhos e do crochê tricolor como elementos essenciais em sua prática. O crochê, em especial, tornou-se ao longo do tempo seu principal meio de expressão.
Lucimélia Romão
Vive e trabalha em Salvador (Bahia, Brasil)
Lucimélia Romão é artista visual, dramaturga e performer. Sua pesquisa navega entre as artes visuais e as artes cênicas, duas linguagens que ela busca fundir para responder à urgência de defender a vida — em particular, a vida daquelas e daqueles cujos direitos fundamentais são violados, desde a colonização até as leis brasileiras vigentes. As ações artísticas propostas pela artista são, portanto, convites cênicos à suspensão da barbárie. A performance Mulheres do Lar — Mortes Anunciadas introduz, no espaço expositivo, a trágica realidade de um machismo ainda profundamente enraizado em nossas sociedades. A performance, linguagem efêmera, encena a tragédia que, depois, desaparece — não sem deixar vestígios naquelas e naqueles que a viveram. Ao tornar visível uma experiência subjetiva de violência real, a artista abre um espaço de resistência e superação. Com sua performance, Lucimélia Romão envolve todos e todas na experiência coletiva do feminicídio.
Pedra Silva
Vive e trabalha em Fortaleza (Ceará, Brasil)
Pedra Silva é uma mulher trans, artista multidisciplinar, educadora artística e pesquisadora de cruzamentos. Sua prática artística oscila entre encarnação, instalação, vídeo, escultura, fotografia e intervenção urbana, articulando tradição, ritual e tecnologias de cura afro-pindorâmicas. Inspirada nas divindades Yaô de Iemanjá, Abassá de Omolu e Ilê Iansã, ela desenvolve Criação m'kumba, um projeto em que ativa o corpo como um arquivo vivo e um território de mitopoética anticolonial. Sua performance Farmácia Viva Grátis é um ritual de iniciação para se tornar uma formiga saúva. A artista vai à floresta recolher folhas medicinais e caminha pela cidade trocando a seiva verde pela seiva das palavras. Nesse ritual urbano, a performer atravessa a cidade como uma Farmácia Viva Gratuita, negociando com os transeuntes suas ervas e raízes, traçando, assim, um caminho ecografado que questiona o lugar da cura na chamada "civilização moderna".
Reinata Sadimba
Vive e trabalha em Maputo (Moçambique)
Reinata Sadimba é, sem dúvida, a artista feminina mais conhecida de Moçambique. Nascida em 1945 num vilarejo, foi rapidamente confrontada com a guerra e se envolveu na luta armada pela independência do país. Livre e emancipada, afirmou-se na década de 1980 como escultora e quebrou as tradições históricas segundo as quais as mulheres não podiam produzir obras figurativas. Desde 1992, o Museu Nacional de História Natural de Maputo coloca à sua disposição um ateliê no qual ela cria peças antropomórficas em cerâmica e grafite, resultado de uma mistura inteligente de referências culturais tradicionais makonde e originalidade formal. Inspirada no corpo feminino, na natureza e no mundo animal, Reinata Sadimba cria obras híbridas e complexas que nos convidam a repensar nossa percepção do corpo, indo além dele para explorar o potencial místico do nosso ser, como a multiplicação dos membros das figuras esculpidas evidencia aqui.
Senzeni Marasela
Vive e trabalha em Soweto (África do Sul)
O trabalho de Senzeni Marasela aborda a experiência das mulheres negras na África do Sul durante o período do Apartheid. Através de uma abordagem multidisciplinar — gravura, bordado, vídeo e performance —, a artista explora os territórios do corpo e da história das mulheres sul-africanas. Como muitas mulheres de sua geração, a mãe da artista, Theodorah Mpofukazi, foi forçada a deixar sua casa em Mvenyane para ir a Joanesburgo e se colocar a serviço de famílias brancas. Em Waiting for Gebane [Esperando Gebane], uma performance iniciada em 2013 e que segue em atividade, Marasela se coloca no lugar da mãe enquanto se reapropria de sua própria trajetória. Ela encarna, assim, uma memória coletiva marcada pela separação, pelo exílio e pela violência. Usando um vestido vermelho tradicional de shweshwe — tecido de algodão estampado —, ela mistura lembranças do cotidiano e encenação histórica para denunciar as violências físicas e psicológicas perpetradas contra as mulheres negras. No vídeo Women's Waiting, Women's Searching [A espera das mulheres, a busca das mulheres], a artista se filma em Veneza usando um desses vestidos e carregando sacolas. No meio dos transeuntes que a tocam sem a perceber, ela impõe sua narrativa por meio de sua mera presença.
Stacey Gillian Abe
Vive e trabalha em Campala (Uganda) e Londres (Inglaterra)
Com base em suas próprias experiências, Stacey Gillian Abe explora em seu trabalho as condições sociais estereotipadas das mulheres negras africanas. Sua prática artística multidisciplinar — fotografia, escultura, instalação, performance e pintura — investiga os conceitos de identidade, gênero e espiritualidade. Embora seja estritamente proibido exibir partes íntimas na cultura lugbara do oeste de Uganda, as fotografias da série Enya Sa, realizadas em 2017, representam o órgão sexual feminino de forma direta e inequívoca. Ao produzir esculturas de vulvas de terracota da mesma forma que o enyasa — um prato popular de Uganda feito à base de painço —, a artista abala as tradições estabelecidas e questiona o lugar da mulher e da sexualidade na sociedade.
Soupixo
Vive e trabalha na Zona Rural do Crato (Ceará, Brasil)
Soupixo desenvolve sua prática entre lembranças reais e ficcionais, bordando narrativas nas quais corpo, gênero e raça se entrelaçam. Sua pesquisa atual está enraizada no território em que ela vive, explorando seus estratos culturais, poéticos e naturais, ao mesmo tempo que procura captar as performatividades inesperadas da vida cotidiana: acaso, gestos, apagamentos, risadas, perda de controle, bem como o nascimento de novas mitologias. Com sua caderneta, soupixo dá vida ao invisível, contando, através de montagens fotográficas, histórias que nunca aconteceram. A obra explora a imaterialidade dos sonhos das mulheres negras — nunca formulados, muitas vezes reprimidos, invisibilizados —, matéria turva e impalpável que, no entanto, brilha na opacidade daquilo que não é dito. Com sua caderneta, a artista invoca uma memória coletiva, alimentada pela sabedoria ancestral, cultivada na rica e preciosa tradição oral, intangível, mas viva.
Terroristas del Amor
Fortaleza (Ceará, Brasil)
Terroristas del Amor é um coletivo formado entre 2018 e 2023 por Dhiovana Barroso e Marissa Noana, ambas do Ceará. Nessa dupla, as artistas mobilizam diferentes linguagens artísticas, desencadeando uma abordagem sensível, que é alimentada por suas experiências e emoções. Suas obras, majoritariamente autobiográficas, evocam a relação delas com a cidade, com uma predileção por técnicas manuais e têxteis. O capim-santo, planta que crescia nos quintais das avós das artistas, está na origem dessa obra. Usando a imagem simbólica das raízes da planta, as artistas tecem os elos de suas histórias pessoais. Além disso, criam uma rede de afetos que liga todos os quintais — de todas as avós negras e indígenas que foram responsáveis pelo sustento de tantas famílias. A produção das Terroristas del Amor faz parte da afirmação do afeto como força revolucionária.
Wura-Natasha Ogunji
Vive e trabalha em Lagos (Nigéria)
Através de sua formação artística e antropológica, Wura-Natasha Ogunji explora as relações corporais femininas ligadas ao espaço e à memória coletiva por meio do desenho, do vídeo e da performance. Em 2011, depois de ganhar a bolsa Guggenheim, ela partiu para Lagos e redescobriu a terra natal de seu pai. A partir disso, suas obras passam por uma metamorfose. Inspirada por essas paisagens, a artista se apodera de novos elementos plásticos para estudar os deslocamentos dos corpos no contexto da globalização. Na performance coletiva Will I Still Carry Water When I Am a Dead Woman? [Continuarei carregando água quando for uma mulher morta?], realizada com outras seis mulheres, ela arrasta galões vazios de água pelas ruas de Lagos, denunciando a opressão da sociedade nigeriana em relação ao lugar das mulheres no espaço público. Suas obras costuradas, inspiradas em páginas de revistas e confeccionadas com linha de bordado sobre papel vegetal, exploram tanto as potencialidades como os limites da "fisicalidade". Em How Every Black Woman at the Party Felt [Como todas as mulheres negras se sentiram na festa], a artista representa uma mulher isolada no meio de uma festa, usando uma máscara Gelede. Essa máscara costuma ser utilizada durante um festival ritual iorubá que celebra as mulheres e as mães. Como parte da exposição, Wura-Natasha Ogunji reativa sua performance pública If I Loved You [Se te amei], inspirada na pintura Autorretrato com Cabelo Cortado (1940), de Frida Kahlo.
Sobre o Sesc
O Serviço Social do Comércio é uma entidade privada com finalidade pública, criada por iniciativa do empresariado do setor de comércio de bens, serviços e turismo. Tem como missão contribuir para a qualidade de vida dos trabalhadores dessas categorias, seus dependentes e da sociedade em geral.
Fundada em 1946, desde então a instituição tem elaborado propostas que efetivam uma atuação educativa continuada no campo da cultura em sua diversidade. No estado de São Paulo, o Sesc conta com uma rede de 43 unidades, incluindo centros culturais e esportivos, bem como unidades especializadas. Oferece, ademais, atividades de turismo social, programas de saúde, educação para sustentabilidade, para a diversidade e para acessibilidade, alimentação, programas especiais para crianças, jovens e pessoas idosas, além do Sesc Mesa Brasil – programa institucional de combate à fome e ao desperdício de alimentos.
O Sesc desenvolve, assim, uma ação de educação não formal permanente com o intuito de valorizar as pessoas ao estimular a autonomia, a convivência e o contato com expressões e modos diversos de pensar, agir e sentir. Acesse sescsp.org.br.
SERVIÇO
O Poder de Minhas Mãos
Abertura: 23 de agosto de 2025. Sábado, 13h.
Visitação até 18 de janeiro de 2026.
Sesc Pompeia
Rua Clélia, 93. Água Branca - São Paulo (SP).
Terça a sexta, 10h às 21h. Sábados, domingos e feriados, 10h às 18h.
Galpão | AL | Exposição com recursos de acessibilidade