Exposição "Terra Vermelha"
Exposição
- Nome: Exposição "Terra Vermelha"
- Abertura: 06 de agosto 2022
- Visitação: até 09 de outubro 2022
Local
- Local: Sesc campos
- Evento Online: Não
- Endereço: Av. Alberto Torres, 397, Centro - Campos - RJ
TERRA
VERMELHA
O bioma natural das regiões Norte e
Noroeste Fluminense, objeto de estudo e apreço de artistas viajantes que por
aqui passaram entre os séculos XVI e XIX, distancia-se cada vez mais do ideário
exuberante representado nas gravuras e litografias produzidas ao longo da
história. O verde que antes preenchia as cenas que figuravam os livros de
viagens destes artistas é, atualmente, invadido pelo tom vermelho causado pela
aridez da terra local, evidência dos procedimentos extrativistas que ocasionam
a má qualidade do solo, processos de erosão e secas prolongadas. Se o papel da
paisagem na arte foi, outrora, compreendido como a representação do belo, do
pitoresco ou do exótico, é no sentido contrário que o artista Raul Leal produz
os trabalhos aqui presentes. Em suas fotografias, o cenário se apresenta como
um espaço de instabilidade: entre a aparição e a desaparição, o registro e o
vestígio.
O limiar que separa os campos da
prática artística e da vida cotidiana foram objetos de longa discussão nas
artes visuais, sob os quais alguns artistas tornam-se partidários ao
estabelecimento dessa separação, enquanto outros acreditam que a potência da
arte se faz justamente no entrecruzamento dos dois campos. Frente aos desafios
do Antropoceno (que designa o período social e histórico em que o ser humano
domina o meio que o circunda, provocando alterações biofísicas em escala
planetária), artistas como Raul Leal se inserem nesta segunda marcha, sob a
qual a reconfiguração do sensível só é operada por uma prática artística que
toque, comente ou, ainda, proponha uma ação direta no mundo. Em “Terra
Vermelha”, a arte adentra o campo político: todas as imagens e processos que
habitam esta exposição se relacionam diretamente com as transformações do
território. Como maneira de abordar a questão, Raul produz fotografias que
registram os impactos da ação humana na região, e, em seguida, as sobrepõe em
placas de madeira. O processo resulta em imagens ruidosas, em que a aparição do
material — a madeira — dialoga sobre sua própria extração e produção, um dos
fatores que propiciam a crise ambiental local. Opera-se, portanto, uma
alteração da semelhança.
Durante um longo tempo, a paisagem
brasileira foi tema à serviço da construção de uma unidade cultural e
identitária. Exuberante e esplendorosa em evocações ufanistas literárias ou
plásticas, ela agora se vê à mercê de um desejo de ordem capitalista em que os
recursos naturais são apenas um meio para a geração de riquezas. Frente a este
desafio, a série “Ventania” constitui um conjunto de trabalhos que retratam
cenas de resiliência botânica, que arduamente resistem a sucumbir. Estas
fotografias são superpostas por estrias de madeira natural, cuja operação
formal põe em disputa a presença em cena. A intervenção resulta em uma imagem
que revela não só a beleza do bioma local, mas o perigo de sua perda.
Já na série “Rebento”, um conjunto de
trabalhos fotográficos impressos em chapas de madeira figuram registros de
mudas de árvores cultivadas pelo artista em áreas degradadas do Rio de Janeiro.
São objetos que se apresentam como zonas de instabilidade, em que fotografias
revelam buracos e rasgos em suas aplicações que dão a ver a textura da madeira,
ao fundo. As falhas interferem na leitura das imagens, que retratam justamente
a possibilidade de salvaguarda do bioma local. Os rasgos, por sua vez, dão a
ver o seu produto exportação, a madeira, apontando para a ameaça ecológica que
assola o território. Entre a impermanência da imagem e a irreversibilidade da
ação humana, Raul busca transformar a denúncia em anúncio, propondo a criação
de novas peças realizadas a partir do plantio de mudas nos arredores da sede do
SESC-Campos. A exposição adquire, assim, uma configuração de laboratório/ateliê
coletivo, encontrando na ação direta uma ponte entre a prática estética e a
ação política.
Neste sentido, a exposição “Terra
Vermelha” parte do problema de ordem ecológica que assola as regiões Norte e
Noroeste Fluminense para propor uma prática artística que evidencie a urgência
do debate em torno de um problema ecológico. A força da imagem revela aqui sua
potência de convocar da reflexão à ação, impondo-se como uma ferramenta de
transformação e agenciamento coletivo.
Lucas
Albuquerque