

Exposição individual "Uma Contra-História do Brasil", de Camille Kachani
Exposição
- Nome: Exposição individual "Uma Contra-História do Brasil", de Camille Kachani
- Abertura: 16 de outubro 2025
- Visitação: até 20 de dezembro 2025
- Galeria: Zipper Galeria
Local
- Local: Zipper Galeria
- Evento Online: Não
- Endereço: R. Estados Unidos 1494 – São Paulo, SP
UMA CONTRA-HISTÓRIA DO BRASIL
CAMILLE KACHANI
A série de trabalhos de Camille Kachani reunida nesta que é sua quinta exposição individual na Zipper Galeria, testemunha a fertilidade de sua linguagem e a ancoragem de sua pesquisa mais recente no contexto brasileiro, em perspectiva decolonial. A articulação entre repetição e diferença, tal como formulada por Gilles Deleuze, ajuda-nos a vislumbrar os processos por meio dos quais Kachani, ao mobilizar procedimentos já consolidados e reconhecíveis de sua poética, conseguiu adentrar novos territórios e enunciar outros problemas. Sem temer a representação, o artifício e a alegoria – noções do campo da arte e da cultura recalcadas pela modernidade –, o artista cria uma arqueologia imaginária, sujeita à decifração por aqueles que se demorarem sobre os inúmeros fragmentos e materialidades que constituem essas obras que, ademais, denunciam apagamentos e reavivam esquecimentos.
O gesto contra-histórico reconhece os limites da história oficial em relação aos povos que, por não terem se dobrado às noções do colonizador de tempo, espaço e vida, não foram contados - nem como relato histórico, nem como vítimas fatais da empresa colonial. Faz pouco tempo que, como sociedade, rompemos o silêncio sobre a violência inaugural do Brasil. Kachani junta-se a esse coro, com esculturas que escavam os vários estratos de extrativismo e opressão que se sedimentaram, conformando o que conhecemos hoje como Brasil. As obras Contra-história do Brasil, que empresta seu título à mostra, e Pindoretama deslocam para a parede o que parece ser um recorte de nosso solo, revestido por formas vegetais, peças de cerâmica, cabaças, fragmentos de madeira, correntes de metal, artefatos de couro, conchas, ninhos etc. Aparentemente amarradas pelas pontas, essas obras pendem como um tecido ou uma bandeira. A presença de aviamentos caros à produção têxtil, como fechos-éclair e botões magnéticos, embaralham os limites entre representação e alegoria. O corte de terra como um corte de tecido remonta à comoditização do solo e à persistência da questão fundiária por aqui.
Além da terra, deslocada para a parede como um tecido ou bandeira - o que se reveste de certa ironia quando nos lembramos que, em algumas partes do Brasil, pessoas do século passado ainda chamam os pedaços de tecido de fazenda -, Kachani mobiliza uma infinidade de fragmentos e materiais para construir mapas, plantas e objetos rituais. Pau-brasil e Brazilapopolo são esculturas que associam espécimes da fauna brasileira - recorrentes na produção anterior do artista - a elementos simbólicos capazes de nos recordar, ao mesmo tempo, da predação colonial e da resistência dos povos originários e escravizados.
Pau-brasil, por exemplo, representa a árvore que foi nossa primeira commodity, recordando-nos que trazemos em nosso nome, Brasil, a inscrição de nossa condição de colônia agroexportadora. A incrustação de elementos simbólicos que remetem a narrativas autóctones sobre o tronco, no entanto, escova a história colonial a contrapelo, trazendo para a superfície as matrizes da cultura brasileira invisibilizadas mesmo nas narrativas mais críticas do colonialismo. Brazilapopolo elabora, a partir de três plantas enredadas em uma trama simbólica, a constituição do povo brasileiro resultante do amálgama entre povos originários, populações escravizadas e europeus depauperados. Este amálgama, estruturante de qualquer perspectiva sobre o que venha a ser uma brasilidade, também está no cerne de Três Histórias Esquecidas.
A desconstrução dos mapas que inspiram os trabalhos Desmapa I e II e Mundus Hodiernus I e II também é fundamental para a produção dessa contra-história do Brasil. De acordo com o antropólogo Francis Affergan , o mapa é um instrumento privilegiado da geografia, é o simulacro do distante e mantém com o exotismo uma relação paradigmática. É a um só tempo o modelo e a aproximação intocável. Permite ver, mas não permite apropriar-se. Para apropriarse é preciso partir. Por esta razão, pode-se traçar uma estranha aporia: sem mapa não há descobrimento, mas sem descobrimento não há mapa. O mapa tem uma dupla função: é imagem e representação do mundo, é instrumento de descobrimento e conquista. Os mapas de Kachani nutrem-se dessa aporia. Da impossibilidade de reconhecer territórios específicos em Desmapa à indiferenciação dos países e continentes em Mundus Hodiernus, o artista sublinha, por meio dos símbolos que mobiliza, a repetição de uma história que oculta, sob a fria legibilidade dos mapas, a ambição conquistadora.
Uma contra-história do Brasil exige, para além da desarticulação simbólica, econômica, militar e política da empresa colonial, o reconhecimento dos modos de (re)existências das populações que, de fato, construíram o Brasil. Embora símbolos evocativos dessas culturas estejam presentes em todas as obras, em primeiro plano ou nas entrelinhas; Contos do encontro do Sul e do Norte e Bem-olhado aprofundam a presença dessas ancestralidades, na medida em que se estruturam em torno de objetos mágicoritualísticos nos quais confluem diferentes cosmologias. A carranca amazônica e o objeto suspenso simbolizando o encontro entre o Sul e o Norte dão notícias do encontro de Kachani com o intempestivo da cultura brasileira, com o que, em nós, segue incapturável, transbordando da escrita e dos mapas, e afastando os mausolhados.
Sobre o artista
Camille Kachani (Beirute, Líbano, 1963) desenvolve um processo inventivo de possibilidades relacionadas ao processo de transformação da natureza. Suas obras são objetos híbridos, que investigam as condições originais e primitivas dos elementos naturais. Seu trabalho utiliza materiais e objetos cotidianos, conferindo-lhes novas leituras, redimensionando suas escalas e funções originais.
Principais exposições individuais: FUNARTE (São Paulo, 2008); Temporada de Projetos, Paço das Artes (São Paulo, 2007); TRAJETÓRIAS, Fundação Joaquim Nabuco, (Recife, 2007); Instituto de Arte Contemporânea (Recife, 2005), Museu de Arte Contemporânea do Paraná (Curitiba, 2004). Principais exposições coletivas: “Doações recentes (2012-2015)”, MAR (Rio de Janeiro, 2016); Bienal Internacional de Curitiba, MAC/PR (Curitiba, 2015); “A Casa”, MAC/USP (São Paulo, 2015), “Esculturas Monumentais”, Praça Paris (Rio de Janeiro, 2014), XIV Biennale Internationale del’Image (Nancy, França, 2006).
Principais coleções institucionais: MAC-USP/ SP, MAC-Niterói, MAM-RJ, MAM-SP, MAR (Museu de Arte do Rio), MAC-PR,Museu de Arte de Ribeirão Preto, Museum of Latin-American Art (Los Angeles), Colección Metropolitana Contemporanea (Buenos Aires), Centro de Arte Contemporáneo Wilfredo Lam (Havana), Fundação Joaquim Nabuco (Recife), Instituto de Arte Contemporânea (UFP, Recife).
SERVIÇO
Uma Contra-História do Brasil
Exposição Individual de Camille Kachani
Abertura: 16 de outubro de 2025, 18 h às 21h
Em cartaz até: 20 de dezembro de 2025
Zipper Galeria
R.Estados Unidos 1494
01427 001 São Paulo SP Brasil
Segunda a sexta: 10h–19h
Sábado: 11h–17h