Exposição "Ambiental Enigmático" | Luiz Alphonsus
Exposição

Exposição "Ambiental Enigmático" | Luiz Alphonsus

Exposição

  • Nome: Exposição "Ambiental Enigmático" | Luiz Alphonsus
  • Abertura: 26 de março 2022
  • Visitação: até 25 de junho 2022

Local

  • Local: Galeria Jaqueline Martins - Dr. Cesário Mota Junior, nº 443 - São Paulo
  • Evento Online: Não

Ambiental Enigmático

por Pollyana Quintella

 

Em mais de cinco décadas de produção, Luiz Alphonsus vem construindo uma obra minuciosa, responsável por lhe garantir um lugar histórico no desenvolvimento da arte contemporânea brasileira – das pautas experimentais dos anos 1970 às preocupações cósmicas do presente. Estar diante de um poderoso conjunto de trabalhos seus nos demanda um engajamento especial com alguns de seus repertórios e interesses, a fim de que seja possível compreender os gestos que uma obra é capaz de inscrever no seu tempo e contexto; a marca que imprime na superfície sócio-cultural do presente a partir de um arranjo singular de componentes e inquietações não apenas individuais, mas sobretudo coletivas.

Leitor de assuntos astronômicos, Alphonsus se interessa pelos imaginários em torno dos grandes aglomerados de galáxias, a teia cósmica que faz a Terra dimensionar-se enquanto grão solitário e diminuto. Aqui, obras como Esfera enterrada na superfície do Globo (1970), O lugar onde estamos (1970) e Um corte na noite (1974), nos permitem identificar certa semelhança com alguns recursos presentes em imagens e cartas astronômicas – estão ali as grades e quadrantes utilizados para localizar objetos como estrelas, constelações e galáxias, realçando-os. Não seria possível ignorar o fato de que aqueles anos marcam a intensificação da corrida espacial e, consequentemente, da produção e distribuição de imagens celestes. The Blue Marble, por exemplo – primeira imagem nítida de uma face iluminada da Terra, capturada pela tripulação da missão Apollo 8 – veio a público no auge do ativismo ambiental dos anos 1970, e transformou-se em ícone pop (supõe-se que esta imagem seja, ainda hoje, uma das mais distribuídas da história da humanidade). 

A dimensão cósmica presente na produção do artista, no entanto, situa-se para além das representações e codificações visuais, e fundamenta uma série de trabalhos distintos como um modo de operação do pensamento. Túnel (1969), apresentado no emblemático Salão da Bússola[1], no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, consistia na realização de um "desenho ao longo de dois planos". Alphonsus reuniu dois grupos[2] de pessoas na boca do Túnel que interliga os bairros de Botafogo e Copacabana. Um grupo seguiu por dentro do túnel, enquanto o outro atravessou a mesma distância pelo plano superior, caminhando pela montanha. A experiência, documentada em fotos e gravações sonoras, expunha uma simultaneidade de fatos no tempo, mas afastados pelo espaço. E, em paralelo, uma simultaneidade de fatos no espaço, mas afastados pelo tempo. Alphonsus estava considerando algo crucial para a teoria da relatividade – o dado de que o tempo deve ser tratado integralmente à dimensão espacial, pois a taxa observada da passagem temporal depende da velocidade do objeto em relação ao seu observador. Dali, outros trabalhos viriam provocados por esse tipo de interesse. Encontro em um ponto (1970)[3], por exemplo, apresenta linhas convergentes que não se tocam, mas levam nossa imaginação a conectá-las em algum ponto do infinito. A depender de seus ângulos, onde elas se tocariam? Ainda nesta cidade ou no além mar? No planeta Terra ou em algum lugar do macrocosmos? Trata-se de um clássico problema de geometria euclidiana e projetiva que, no contexto da obra do artista, também opera para expandir as noções de tempo e espaço e produzir uma land art que supera os limites físicos do espaço ao nos demandar imaginação. Na perspectiva da física quântica, partículas atravessam paredes. Aqui, linhas imaginárias cruzam rocha e água em função especulativa. Ainda neste contexto, cabe mencionar Negativo-Positivo (1970), fruto de uma ação efêmera realizada na praia. Ao cavar um buraco retangular na areia, Alphonsus contrapôs, com ajuda do fogo, situações de dia/noite, claro/escuro, como anuncia o título. Seu buraco de escala doméstica parece ser uma espécie de cosmos particular, agora passível de plena observação. Alphonsus atua como um projetor de galáxias, parafraseando aqui o título de outro trabalho seu; ou, ao contrário, um fabricante de buracos negros que sugam a luz que por ali encontram. Eis o seu ambiente enigmático – seu claro enigma, como diria seu conterrâneo mineiro Carlos Drummond de Andrade.

Ao considerar tais aspectos no cálculo de seus trabalhos, Alphonsus nos leva a localizar sua produção não apenas no mapa da cidade, mas na própria superfície do globo e nos limites desconhecidos do universo[4]. Trata-se de elevar "Copacabana à altura do cosmo", como diria Roberto Pontual certa vez. Se esse primeiro momento da produção – pelo menos até 1973 – tinha como suporte majoritário a fotografia enquanto registro, o artista passou então a experimentar soluções mais híbridas, desenvolvendo técnicas próprias que passavam por sobrepor e remontar diferentes imagens fotográficas, intervir sobre elas com lápis e/ou ecoline e depois refotografá-las; algo que ele próprio chamou de "pré-photoshop".

E por falar em Copacabana, somos convidados a redirecionar nossas cabeças. Não apenas olhar para cima, como quem vasculha as quinas celestes, mas também para baixo, em busca da sujeira concreta das esquinas citadinas, procurando saber o que acontece no seio do torrão de rocha e metal chamado Terra. Em paralelo a tais operações de cunho conceitual – embora falemos de um "conceitual caboclo", como queria o artista, isto é, um pensamento implicado nas contaminações e contradições de seu contexto local – Alphonsus se interessou em negociar entre a metafísica e os assuntos de violência enquanto linguagem do cotidiano; suas operações mentais encontraram a malandragem e a volúpia dos corpos que desafiam a selva da cidade. "Uma emoção passou por aqui", dizia uma de suas obras presentes em Coração 7/7/77, mostra realizada na Área Experimental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e que significou um marco no seu desejo por embriagar as ideias. Para um artista que nutria aos poucos uma inserção considerável no cenário da arte brasileira, tratava-se também de resistir aos rótulos designados a sua geração e à sua própria produção, manifestando a coragem de derivar e dissidir. É o momento em que Alphonsus se dedica aos típicos conflitos cariocas, implicando seu corpo pela Zona Norte da cidade, percorrendo os bares e os dramas sócio-políticos de seus contemporâneos, mas sobretudo os perigos que rondam o escuro fascinante das madrugadas. Besame Mucho (1973) manifesta tal virada, sendo uma espécie de síntese da violência carioca alinhada ao período de endurecimento das forças opressivas do estado militar e seus anos de chumbo. A encenação de um assassinato coreografado sob um filtro vermelho e delirante, ao som da versão de Ray Conniff para o clássico "Besame Mucho" de Consuelo Velázquez, estabelece uma atmosfera dramática aparentemente despreocupada com a sobriedade dos primeiros trabalhos conceituais. Junto a ele, trabalhos como As balas que restaram do meu último assalto – Zona Sul/Baixa Flu (1975-1984) e Tensão (1972), também expunham a condição de uma cidade partida que excede a formosura de seus cartões-postais e fetiches tropicais – no Rio, fazer da paisagem matéria de trabalho passa por fuçar os clichês em torno de uma cidade fadada a ser pura-imagem, horizonte reproduzido à exaustão.

Mas para além da brutalidade, creio que persiste também algo de cósmico no seu interesse pelas imagens cotidianas. Copa Lua (1981), Copacabana Mulher (1979) e Coração Vermelho (1975) situam o erotismo como uma espécie de integração entre sujeito e mundo, corpo e paisagem; promessa do amor: suspensão possível. Como diria Afonso Henriques Neto no belo poema dedicado ao artista, "os cavalos e as galáxias são o / mesmo e claro delírio que brota na curva do coração". Daí, ao longo de todo esse percurso, fica a sensação de que é possível vislumbrar com mais clareza algo que atravessa essa produção: a trança delicada entre o mais longínquo horizonte e o contorno mais íntimo das cidades; entre a sinuosidade das galáxias e as curvas dos corpos – eles próprios galáxias ambulantes de partículas; o mix entre o silêncio sideral e o burburinho dos bares. Talvez assim seja possível refazer as coordenadas, refundar a rota, forjar, no centro da nossa singeleza, "uma nova paisagem para o planeta Terra".

 


 

[1] O Salão da Bússola ficou conhecido como o "Salão dos Etc.", servindo de palco para a promoção de artistas conceituais no Brasil, algo ainda incipiente naquela altura. O regulamento do evento, que dizia que era possível se inscrever nas categorias de "desenho, escultura, objeto, etc…", acabou servindo para os artistas considerarem o "etc" como categoria autônoma, instaurando uma polêmica a respeito das categorizações da experiência artística.

 

[2] Thereza Simões, Guilherme Vaz, Odila Ferraz, Renato Laclette e José Reinaldo Lutti, além do próprio Alphonsus, integravam os grupos.  

 

[3] Nesta exposição, junto a Corte em uma montanha (1971) e Projeto para uma nova paisagem da terra (1971) este trabalho exemplifica uma série de obras realizadas pelo artista utilizando faixas brancas para intervir na paisagem. Atento para o fato de que, a partir da exposição EDIÇÕES (1984), na Petite Galerie, no Rio de Janeiro, Alphonsus passou a atribuir o título geral de "Paisagem Estrutura Móvel" aos trabalhos feitos com essas faixas.

 

[4] Cabe notar que pinturas mais recentes, realizadas a partir dos anos 2010, recuperam o imaginário cósmico a partir de codificações mais estilizadas e retomam o grande plano de azul outrora presente em Arte Ilusão (1968), quase cinquenta anos depois. São obras de interesse filosófico que manifestam inscrições textuais a respeito da relação entre linguagem, universo e abstração.

 

SERVIÇO

Exposição "Ambiental Enigmático" | Luiz Alphonsus
Galeria Jaqueline Martins
Período 26.03 — 25.06.2022
Abertura 26.03.2022 12h

 

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